Retrato Falado 06: Osvaldo barcaceiro
Retrato Falado: instantâneo em forma de texto
Todo barcaceiro sabe: cacau molhado é cacau ruim. E é por isso que, nem bem começa a chover na Fazenda Lagoa Pequena, Osvaldo já se aperreia todo. Sai logo na carreira pra cobrir as doze barcaças enfileiradas no fundo do vale, onde o cacau seca no sol pra começar a virar chocolate. Se chove demais, vai tudo pra estufa, onde a secagem se dá por obra das caldeiras. Como explica Osvaldo, “aqui nós pega duas temperatura: é sol e fogo”. Do fogo ele não gosta, que lá o cabra sua que nem preá quando foge da cobra. Prefere o sol, mesmo que seja pra fica torrando o dia todo junto com o cacau. Como seja, é serviço sem domingo nem feriado, pra dar conta do tanto de semente que chega a todo instante das roças, engordando os caçuás dependurados nos burros. E aí, quando arriba, tem que ir lá sem demora, descarregar tudo nos cochos de madeira, onde os caroços fermentam até soltar aquele visgo quente e enjooso que o sujeito leva anos pra se acostumar. Só depois é que vão pras barcaças, e ali é o dia todo remexendo com a pá, pra que o sol toste todos por igual. Tem vez que bate uma chuvinha e o cacau, mesmo na barcaça, cria mofo. É uma trabalheira danada pra tirar, mas bonito de se ver. Parece até que Osvaldo faz carinho nos caroços quando se põe sobre eles e, com um passo miúdo e enviesado, vai tirando o visgo com os pés. Parece até que ele dança.
Osvaldo Macedo, barcaceiro de cacau na Fazenda Lagoa Pequena, município de Ilhéus, Bahia.
(Foto por Valdemir Cunha.)